O Jovem o Erudito e o Político - A Crónica de um Velho
Prelúdio:
Na quietude de uma tarde de outono, daquelas em que o sol teima em confortar com melancolia as mentes mais desassossegadas, um velho sábio sentou-se à sombra de uma oliveira. Do prosélito corpo desta árvore, que não se permitir esconder uma já vetusta idade, emanavam enormes ramos, quais braços que envolviam quem dela se abeirava procurando refúgio do sol invernal.
Talvez inspirado pela sua altivez, ou por a vida já o ter deixado despido da normal inquietude, o ancião, deixando-se levar pelos pensamentos de memórias passadas, começou a cogitar lembranças sobre três figuras que marcaram sua vida; o jovem, o erudito e o político.
As suas histórias, embora distintas, de algum modo entrelaçavam-se, cada uma trazendo memórias de uma vida quase extinta; umas boas, outras menos felizes, mas todas insinuando lições e reflexões profundas.
O Jovem, o Erudito e o Político:
A sua jornada fá-lo primeiro recordar o jovem, talvez porque este o tenha marcado pelo seu espírito indomável, aquele que o fazia avançar de forma destemida e por vezes imprudente, por tantas vezes transformando inadvertidamente o mundo à sua volta.
A sua jornada fá-lo primeiro recordar o jovem, talvez porque este o tenha marcado pelo seu espírito indomável, que o fazia acometer-se de forma destemida, e por vezes imprudente. Repleto de sonhos e ideais, e movido por um coração ardente, nada o atemoriza; para ele o mundo era como um campo vasto e fértil de oportunidades e aventuras.
Ele fazia-o lembrar do seu há muito perdido vigor, e de uma esperança num futuro melhor, de um amanhã que hoje se parece mais com um desejo inocente, do que com uma realidade alcançável; uma utopia, pensava o ancião, com receio que o exteriorizar desta vontade a tornasse no que ela realmente significava para si; um sonho impossível.
Com o esboço de um sorrir, daqueles que revelam o passar dos anos, o ancião recorda com algo de inveja essa energia contagiante, e uma inabalável vontade de mudar o mundo, sempre alheias às dificuldades e obstáculos que porventura surgissem.
Esse gracejo transporta-o até às memórias da mais culta das figuras, o erudito; dele recorda as longas conversas, que frequentemente transformavam minutos em horas e horas em dias, e onde este partilhava as suas descobertas, fossem elas mais ou menos realizáveis, mas sempre com uma tal paixão, que só os verdadeiros amantes do saber poderiam possuir.
Ele era o espelho da curiosidade intelectual e representava a sabedoria e a experiência de uma vida dedicada aos livros, ao estudo, à incessante procura pelo conhecimento.
Mas tamanha devoção à sua obra, e tão grande fervor no discurso, frequentemente transformavam diálogos em monólogos, e faziam-no perder-se nas suas próprias reflexões, distanciando-o do mundo real e das pessoas, e quase transformando-o num eremita social.
O sorrir deixa-se substituir pela sobriedade e esta traz-lhe à memória a figura do político, efigie do pragmatismo e da liderança e cuja capacidade de compreensão da complexidade da natureza humana e das nuances do poder, apenas era suplantada pela sua habilidade nas artes da negociação e da diplomacia.
O ancião admirava a sua aptidão em navegar pelas águas turbulentas da intriga e da política, esforçando-se por acreditar que esta missão era sempre orientada na procura do bem comum, mesmo quando confrontado com a tentação.
Contudo, o político também carregava o peso da crítica mais mordaz e das elevadas expetativas, fardos nem sempre fáceis de suportar.
O Desalento:
As recordações seguiam ao ritmo do sol no horizonte, e a sua oliveira dispensava mais e mais o seu propósito protetor, deixando o ancião envolver-se pela serenidade e pela harmonia do momento.
Esse sentimento de melancolia, fez ver ao velho sábio que estas figuras retratavam afinal três viagens ao longo de diferentes momentos da sua vida; do jovem, cheio de sonhos e aspirações que, ao amadurecer, enceta numa cruzada de aprendizagem em busca do conhecimento, até ao estadista que, em fim de vida, tenta impacientemente deixar um legado de justiça e equidade.
Com o Sol a aproximar-se do seu ocaso, e a penumbra a adensar-se, a tranquilidade deu lugar à ansiedade e à tristeza, com o velho sábio a sucumbir à mundana realidade, ao vislumbrar uma vida quase gasta e sem uma herança digna de propósito.
Uma Revelação:
Neste ínterim, o seu agora desconfortável abrigo deixa perpassar pelas folhas que o revestem um ténue raio de sol, liliputiano, mas sagaz o suficiente para forçar um piscar de olhos; uma fração de segundos que arrebatou aquela última memória e lhe revelou estas três figuras de uma renovada perspetiva.
O jovem irreverente, antes de o ser, era uma criança nua e frágil; incapaz só por si de atender às suas próprias necessidades, são os gestos de amor altruísta da sua família, que o protegem, educam e guiam, até ao dia em que este já se permite a dar os seus próprios passos com a certeza e convicção de um jovem adulto.
Após esta primeira idade, são os mestres professores que orientam o jovem no caminho do conhecimento, com os seus conselhos e ensinamentos, contribuindo para a elevação das suas faculdades intelectuais e morais.
Plenamente desenvolvido, o jovem erudito continua a sua jornada pela estrada da virtude, na procura da prática do bem, sempre com o apoio de um mestre mais esclarecido, pois na vida todo o empreendimento solitário está condenado ao fracasso.
Tal como o neófito que, nas trevas apenas deseja ver a luz, o ancião vê nestas três figuras, nestes três momentos da sua existência, o seu próprio trajeto iniciático.
O Esclarecimento:
O velho sábio reviu-se no entusiasmo do jovem, na sabedoria do erudito e na diplomacia do político, como as componentes indispensáveis para uma existência plena de significado, e onde apenas a harmonia entre os três lhe permitiriam enfrentar os desafios do tempo.
O jovem, com sua impetuosidade e paixão, representava o início de todas as jornadas, a coragem perante o insuperável. Era a sua juventude, essa época de incertezas, mas também de descobertas, das amizades formadas, dos amores vividos e das lições aprendidas. Ele relembra-nos que a juventude é a época de semear sonhos, mesmo quando o solo parece infértil.
O erudito era a voz da razão e da aprendizagem, procurando incansavelmente através do estudo respostas para os problemas da sociedade, enfrentando o fracasso e a crítica, até que um só momento de clareza se traduz na revelação de um qualquer contributo para o bem comum. Ele lembra-nos que o verdadeiro conhecimento exige paciência, humildade e uma constante abertura ao desconhecido.
O político traz-nos histórias de liderança e responsabilidade, de capacidade em ouvir e negociar, em unir facões rivais, e em procurar um caminho para a paz e para a prosperidade comuns, mas não sem sacrifício e adversidades. Relembra-nos da importância da empatia, da justiça e da capacidade de liderança baseada em princípios e honestidade.
Juntos, os três reafirmam que ninguém é uma ilha, e que o verdadeiro sentido da vida é encontrado nas ligações que estabelecemos com próximo; não só o jovem precisa da orientação do erudito, como o erudito precisa da paixão do jovem, e o político da sabedoria de ambos para guiar suas ações.
Epílogo:
O velho sábio ergueu um corpo já cansado e caminhou lentamente de volta ao seu lar, ciente de que sua jornada não foram em vão; com uma serenidade que só os anos podem trazer, encerrou o seu dia, grato por ter sido, em algum momento da sua vida, o jovem, o erudito e o político, testemunhos da capacidade humana de sonhar, de aprender, de crescer, de ensinar e de inspirar.
E assim, numa outra manhã, o velho sábio encetou uma última caminhada até à árvore onde tantas vezes havia estado e, sentando-se, perscrutou o horizonte; quando o sol se pôs, o velho Maçon fechou os olhos e partiu em paz, sabendo que a sua vida não foi nem fútil nem inútil e que a sua maior riqueza não está no que deixou de material, mas antes nas pessoas que tocou, nas vidas que inspirou, e que o seu legado viveria nos corações que ele iluminara e nas vidas que transformara.
Uma Moral:
Na vida, sejamos como o jovem, para nos podermos perder entre sonhos grandiosos e a dureza da realidade, pois é dessa incerteza que nasce a resiliência que nos permite aprender com os nossos erros e poder crescer a cada desafio.
Sejamos também como o erudito, ávidos na persecução do conhecimento e do maior esclarecimento, sem esquecer que o verdadeiro saber não reside apenas nos textos dos livros, mas também nas experiências vividas, nas emoções sentidas e nas histórias partilhadas.
Por fim, sejamos seres políticos, capazes de navegar pelas águas turvas dos interesses conflitantes e das pressões sociais, mas tendo sempre presente que o liderar não significa somente o aplicar das leis, mas acima de tudo o defender a liberdade e, vendo todos os Homens como iguais, inspirá-los e guiá-los rumo a uma sociedade mais justa, mais equitativa e mais fraterna.
Álvaro de Campos disse em sua ode Tabacaria: "Falhei em tudo; como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada"
Façamos propósitos, tracemos objetivos, esquadrinhemos intenções, mas, acima de tudo, sejamos constantemente irrequietos, obstinadamente irreverentes e incansavelmente inconsoláveis… apenas e porque, só assim se muda o mundo.
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