Corda de 81 Nós
A Maçonaria é uma Ordem filosófica assente numa forte simbologia e procura conduzir os seus membros a uma profunda reflexão sobre esses mesmos símbolos, na sua grande maioria de origem profana; no caso particular de um aprendiz de maçom, estes símbolos são de uma sublime importância, pois é através deles, e sobre eles, que se efetua o trabalho de desbaste da pedra bruta; investigando, lendo, estudando mas acima de tudo balanceando a objetividade da razão com o íntimo do coração para interpretar e responder a esta simbologia de um modo correto mas também sentido.
E eis que me encontro diante deste magnífico e críptico símbolo, a corda de oitenta e um nós; este é provavelmente um dos ornamentos presentes no Templo Maçónico menos valorizados e certamente o menos notado, talvez fruto da sua localização, habitualmente no topo das paredes e junto ao teto, mas também por se confundir com a arquitetura da própria sala. A verdade é que em Maçonaria nada é deixado ao acaso, e muito em particular a sua simbologia, e este, no meu entender, é um símbolo de grande relevância.
Começo pelo significado que lhe é mais vulgarmente atribuído, mas não por isso menos importante; diz-nos a definição comum em Maçonaria que a corda de oitenta e um nós que circunda a loja simboliza a união e fraternidade que deve existir entre todos os Maçons e representa ainda a comunhão de ideias e de objetivos em Maçonaria.
Recuando no tempo, as suas origens aparentam remontar aos canteiros do período medieval, também eles artificies da pedra bruta, os quais delimitavam e protegiam o local de trabalho com estacas, às quais eram presos anéis de ferro, por onde passava uma corda ou corrente, havendo apenas uma abertura para entrada no local.
Remontando à sociedade de construtores, antecessora das antigas escolas de construtores e embrião da Maçonaria atual, os seus obreiros desenhavam no chão, com giz ou carvão, um painel representativo dos instrumentos usados pelos pedreiros livres, sendo este abordoado por uma corda com nós, não necessariamente oitenta e um, mas três, cinco, sete ou doze. Independentemente do número de nós, o seu significado é transversal; a fraternidade e a união.
Uma possível origem da corda de oitenta e um nós em Maçonaria, e talvez a sua primeira referência escrita, data de 23 de agosto de 1773, na casa "Folie-Titon" em Paris, a quando da tomada de posse de Louis Phillipe de Orleans como Grão-Mestre; nesta cerimónia estariam presentes oitenta e um irmãos e a decoração da abóbada celeste do templo estaria iluminada por oitenta e uma estrelas.
Nos Templos Maçónicos contemporâneos a corda de oitenta e um nós circunda todo o Templo, junto ao teto, devendo o seu nó central estar imediatamente acima da cadeira do Venerável Mestre e do delta luminoso; a partir deste vínculo central, a corda estende-se no comprimento de quarenta nós para Norte e quarenta nós para Sul, terminando as duas extremidades em ambos os lados da porta de entrada a ocidente, na forma de duas borlas.
As borlas, segundo variadas fontes literárias, representam a justiça ou equidade e a prudência ou moderação. Não será errado acertar que este acúmulo de fios individuais alude à responsabilidade individual de cada Irmão na integralidade da Maçonaria, ou mesmo que, no seu talhe e localização, protegem o sagrado do Templo do mundo profano, mas sem encerrar portas para o exterior. É neste sentido que quero concordar com muitos autores que personificam nesta representação de uma corda aberta em vez de fechada sobre si mesma, como uma clara alegoria a uma Maçonaria também ela aberta a acolher novos membros e novas ideias, que em concluiu possam contribuir para o progresso da humanidade.
Nos Templos Maçónicos, a corda de oitenta e um nós pode surgir, quer esculpida nas paredes como um alto-relevo, quer na forma de uma corda natural, mas sempre com este preciso e determinado número de nós equidistantes entre si. Em boa verdade, e nos poucos Templos que pude visitar, ou não encontrei presente este ornamento ou, existindo, não continha os nós em número certo de oitenta e um.
Mas vamos continuar o desenlace do seu significado; o número oitenta e um, é três elevado à quarta potência, o apelidado de número perfeito. Podemos asseverar que toda a diferença, desequilíbrio e antagonismo existentes na dualidade, cessam com a adição de uma só unidade, que nos transporta até à perfeição do número três.
Em Maçonaria, o número três tem múltiplos significados; são três os princípios Maçónicos: Liberdade, Igualdade e Fraternidade; são três as luzes que dirigem a loja: o Venerável Mestre, Primeiro Vigilante e Segundo Vigilante; são três os pilares da Loja e as respetivas qualidades Maçónicas: Sabedoria, Força e Beleza; são três as ordens arquitetónicas gregas usadas na construção dos mesmos pilares: Dórica, Jónica e Coríntia; são três os pontos usados nas abreviaturas e códigos Maçónicos; três é a idade do aprendiz; três lados iguais e três vértices tem o triângulo equilátero, símbolo da divindade; e, finalmente, três são os graus da Maçonaria Simbólica: Aprendiz, Companheiro e Mestre.
O número três encerra também um elevado valor místico que remonta às antigas civilizações; eram três os filhos de Noé; eram três os varões que apareceram a Abraão; foram três as negações de Pedro; são três as virtudes teologais. As tríades divinas são também uma constante ao longo da história, nos Sumerianos, nos antigos Egípcios, nos Hindus, no Taoismo, na Cabala, na Alquimia e no próprio Cristianismo. O número três está também presente na trindade familiar e nos três planos ou dimensões.
São inúmeros os significados atribuídos ao número três, dentro e fora da Maçonaria, mas existe um significado muito particular respeitante às dimensões do próprio Templo Maçónico; apesar de este não ter uma métrica fixa, é assumido que deve ter a forma de um retângulo tal, que possa ser dividido em três quadrados iguais e em que a sua largura seja, no mínimo, um terço do seu cumprimento. Estes preceitos advêm do facto de o Templo Maçônico ser uma cópia, ainda que modesta, do Templo de Salomão, que teria sessenta côvados de cumprimento e vinte côvados de largura.
Mas regressemos ao número de nós presentes na corda e à sua disposição no templo; o número quarenta, correspondente aos quarenta nós de cada lado do nó central, é o número simbólico da penitência e da expectativa: quarenta foram os dias que durou o dilúvio; quarenta foram os dias que Moisés passou no monte Horeb no Sinai; quarenta foram os dias que durou o jejum de Jesus e os dias que esteve na terra após a ressurreição.
O nó central, univocamente só, representa o número um, a unidade indivisível, o símbolo do Grande Arquiteto do Universo, da unidade dos Maçons e da Maçonaria.
Esta leitura do simbolismo da corda de oitenta e um nós parece não só coerente como perfeitamente enquadrada na história e mais em concreto, na história da Maçonaria; mas será única?
Sem querer lançar um ponto de discórdia, deixo uma interpretação alternativa, fazendo usufruto da universalidade da matemática; olhando para o número oitenta e um podemos afirmar que o número 8 representa o sinal de infinito colocado na vertical, com o número 1 à sua direita, significando porventura a existência de algo além deste; seguindo a mesma analogia quanto à disposição dos símbolos, em matemática o produto de infinito pela unidade continua a ser infinito. Quererão estas analogias significar a constante busca da Maçonaria pela palavra sagrada? A infindável procura pelo Segredo Maçónico? O trabalho constante em busca da absoluta perfeição interior, tão desejada como inatingível?
Tal como enunciado no século XIV pelo frade franciscano Guilherme de Ockham, por vezes a explicação com menor número de premissas é a mais correta, e esta interpretação encerra a simplicidade das grandes verdades.
Sem contestar qualquer das interpretações, entendo que a Maçonaria não é feita de verdades absolutas, nem o deve ser, pois nós também somos a personificação das imperfeições do ser humano e como tal não podemos assumir nada como absolutamente certo; extrapolando o postulado de Heisenberg, quanto mais certos estamos que encontrámos uma incontestável verdade, mais plausível é estarmos arredados da mesma; é-me fácil entender que a procura do pleno facilmente tolda a razão e molda o próprio conceito de verdade, distanciando-nos desta.
Em síntese, o aperfeiçoamento implica a inteligência no reconhecer da nossa própria insciência, na razão de que o trabalho de construção do nosso Templo Interior deve ser desafiante, contínuo e incessante.
Feito este repto, volto às origens operativas da Maçonaria, onde a corda de nós não só era usada pelos operativos na delimitação geográfica da sua área de trabalho, mas também para efetuar as medições das distâncias e dos ângulos, quando dotada de nós equidistantes.
Por irremediável defeito de profissão, recorro novamente à matemática mas também à geometria como ferramentas de trabalho e proponho que durante uns breves minutos regressemos aos nossos primórdios operativos. Tomemos uma porção de fio com nós equidistantes ainda em número indeterminado, representativa de uma corda com nós; com este figurino, peguemos no quarto nó com a mão esquerda e contemos mais quatro nós na porção maior de corda, devidamente orientado a oriente, detendo o mesmo com a mão direita. Temos agora duas porções livres de corda, uma com três nós e outra ainda com vislumbre do infinito; unindo ambas as extremidades e contabilizando apenas cinco nós na ponta livre da corda, obtemos um triângulo com uma forma muito particular; um triângulo retângulo, cujo angulo entre os catetos é exatamente de 90º. Esta aplicação simples do teorema de Pitágoras permitia aos antigos “pedreiros” medir de forma precisa não só as distâncias mas também garantir a perpendicularidade das paredes e orientar as suas construções na direção Ocidente-Oriente.
Toda a complexidade e precisão das mais elaboradas construções da época eram assentes numa porção de corda, disposta em forma de triângulo, e com um número muito particular de enlaces; com uma corda de doze nós se construía uma catedral.
Com a passagem da Maçonaria Operativa para Especulativa, esta corda de doze nós adquiriu um sentido mais esotérico, simbolizando, entre outras coisas, os meses do ano, os signos do zodíaco e a união entre Maçons, este ultimo significado transversal à corda de oitenta e um nós. Os doze nós da corda podem ainda fazer referência às doze portas de Jerusalém, cidade onde a altura dos seus muros seria de 144 côvados (o produto de 12 por 12).
Serão estes os motivos pelos quais esta mesma corda de doze nós adorna muitos Templos Maçónicos, circundando as suas paredes pelo topo, mantendo apenas uma abertura na entrada do Templo a ocidente, tal como a sua congénere de oitenta e um nós. A nossa respeitável loja Estrela d’Alva tem representado no seu Painel de Aprendiz a corda de doze nós, que o emoldura, terminando também em borlas junto às colunas.
Sem abandonar o termo pitagórico e “os doze nós que o compõem”, o próprio esquadro, enquanto joia do Venerável Mestre, tem os seus dois braços em comprimento desigual, mas segundo a mesma proporção de 3 por 4 do termo pitagórico. Esta mesma construção parece servir ainda de preceito para a colocação dos pilares do Templo; a Sul, no vértice dos catetos perpendiculares, encontramos a Beleza; a Norte, no vértice entre o cateto menor e a hipotenusa encontramos a Força; a Oriente, no vértice entre o cateto maior e a hipotenusa encontramos a Sabedoria. Será acertado presumir que as Três Luzes da Loja, os três pilares que a sustentam, têm de facto assento nesta mesma geografia? Fica esta bonita conjetura.
Existe no entanto um detalhe em relação ao qual não foi feita ainda qualquer referência; os nós da corda, independentemente de quantos sejam, têm um aspeto distinto, formando um laço que faz lembrar, na sua forma, o número oito na horizontal ou, em linguagem universal, o símbolo do infinito. Este representa a perpetuação da espécie humana, pois pela sua forma simboliza a união entre o homem e a mulher, motivo pelo qual é também chamado "laço de amor".
Seja laço ou nó infinito, em oito, de amor ou ainda nó de Hércules, a sua descrição é a de um nó contínuo, com a forma de um oito. As suas origens são alvo de profusa especulação, remontando inclusive ao antigo Egito, mas talvez a mais bonita seja em referência ao Tibete, numa adaptação de um dos oito símbolos auspiciosos do budismo.
O simbolismo da fisionomia deste nó parece algo intemporal, tendo sido utilizado durante o império Romano e na Grécia antiga, quer como amuleto de proteção quer como símbolo do casamento e também na época medieval e no renascimento como amuleto alusivo ao amor. Qualquer dos significados é transversal à Maçonaria contemporânea, desde a simbologia relacionada com o amor e fraternidade, ao infinito, ou mesmo a Hércules, símbolo da força.
Pausando a minha escrita, vejo-me por um instante de olhos fechados, tentando vislumbrar a corda que envolve o nosso Templo, os seus nós e os limites do próprio Templo; esta imagem é, na verdade, uma moldura celestial que limita, separa e protege o mundo da luz do mundo das trevas; o sagrado do profano. Dentro do mesmo momento de introspeção, e ainda de olhos cerrados, concebo a nossa Cadeia de União, com os Irmãos de braços cruzados e com as mãos dadas e questiono se não estaremos neste momento tão particular e especial dos trabalhos em Loja a formar uma série de laços de amor interligados? O figurino assim o sugere.
Seja com doze ou com oitenta e um laços, a corda de nós não é apenas mais um símbolo alegórico e decorativo do Templo, mas encerra em si um sentido simbólico de primordial importância e de grande transversalidade no seio da Maçonaria. Na sua GEOMETRIA delimita o Templo e separa o sagrado do profano; na sua FORMA representa a unidade e fraternidade entre todos os Maçons e a comunhão de ideias e de objetivos; na sua TERMINAÇÃO deixa a porta aberta a novos profanos que procurem a luz; na FORMA DOS SEUS NÓS tem presente um dos mais importantes momentos dos trabalhos em Loja, a Cadeia de União; no NÚMERO DE NÓS encerra o simbolismo de tempos imemoriais.
A verdadeira Maçonaria não está nos seus símbolos, mas sim nas virtudes dos homens que a abraçam; estes símbolos não deixam de ser no entanto uma constante e importante imagem que nos recorda dos princípios que nos sustentam como Maçons, e por isso mesmo devem ser não só explicados e entendidos, mas principalmente interiorizados e sentidos.
Espero ter conseguido de alguma forma justificar o meu entendimento da corda de nós, mas cabe a cada um perscrutar dentro de si pelo verdadeiro sentido deste elemento simbólico; cabe a cada um sentir-nos como um nó nesta corda que representa não só o nosso Templo físico mas também o nosso Templo Interior; cabe a cada um nós sentir que, tal como o laço desta corda, a Maçonaria encerra em si o laço da fraternidade e da unidade entre todos os irmãos.
Concluo tal como comecei, afirmando que em Maçonaria nada é deixado ao acaso, mas entendo que também não há verdades absolutas, e a oportunidade de dissertar e até especular sobre um símbolo que verdadeiramente nos une a todos como Irmãos, não é nada mais do que um privilégio.
O epílogo do meu anterior trabalho foi uma poesia para reflexão, pelo que, e com idêntico propósito, deixo um breve excerto da Ode Marítima de Álvaro de Campos:
Tanta nacionalidade sobre o mundo! tanta profissão! tanta gente!
Tanto destino diverso que se pode dar à vida,
À vida, afinal, no fundo sempre, sempre a mesma!
Tantas caras curiosas! Todas as caras são curiosas
E nada traz tanta religiosidade como olhar muito para gente.
A fraternidade afinal não é uma ideia revolucionária.
É uma coisa que a gente aprende pela vida fora, onde tem que tolerar tudo,
E passa a achar graça ao que tem que tolerar,
E acaba quase a chorar de ternura sobre o que tolerou!
Autor: Álvaro de Campos
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